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Café da manhã. Sento em um café com a minha bolsa cheia de recibos que fui acumulando durante a semana, peço um coado v60 e já puxo o telefone do bolso. Olho para aquele pequeno dispositivo e penso "vou dar um tempo de você", bloqueio a tela, viro-o para baixo na mesa e pego o livro que já está com orelhas formadas e amassadas de tanto passear por aí.
Esse café que gosto costuma ter um problema sério de acústica. Todo som emitido naquele espaço ecoa e se transforma em uma massa sonora densa, uma mistura de latidos de cachorro, leite sendo vaporizado e mais uma reclamação de alguém que não aguenta mais o trabalho.
Mas eu ainda gosto de lá. Vejo os mesmos rostos de cinco anos atrás, quase como uma fenda no tempo, mas na verdade são só pessoas que têm seu café de estimação. Gosto do cardápio que continua o mesmo desde o dia um, das bandeiras políticas de esquerda, da familiaridade que ele me traz.
Estou pra me mudar mais uma vez e fico pensando quais são os lugares que chamo de casa. Já escrevi sobre não precisar de um lugar específico, que dá pra criar esses ambientes com o tempo, mas a verdade é que eu ando me enganando em não querer acreditar que quero essas raízes. A parte boa de uma boa análise é perceber que podemos recalcular a rota sempre que necessário.
Penso em tantos estabelecimentos que fecharam durante a pandemia, a casa de parentes que visitei na infância que não existem mais, amigos da escola que foram ficando para trás, a última vez que fui na casa que morei até completar dezoito anos. Todos esses lugares ganharam um verniz de história pregressa, mas é tão difícil revestir os lugares novos.
Ali, eram lugares comuns. Um em um milhão. Apenas mais uma realidade.
Voltando ao café, ali fiz reuniões de negócios, quase terminei um relacionamento, levei amigos pra comer um ótimo bolo de cenoura e também me fiz companhia ali. Viver sozinha tem dessas, a gente vai criando pequenos lugares-pessoas para chamar de seu.
Mas o que eu gosto de pensar, e de alguma forma me colocar como espectadora da minha própria vida, é que a minha presença ali era só mais uma. Foi só mais um chá servido, mais uma pessoa sentada com seu computador, mais uma tatuada-do-centro-da-cidade que foi ali e pediu um chocolate quente em um dia frio. Não é falsa modéstia, mas eu sei que ali eu era apenas mais uma.
Fiquei olhando pra fora enquanto mexia no canudo da quarta bebida que tinha pedido naquele dia. Ouvi um casal brigando, alguém tentando vender uma ideia inovadora, uma fofoca de escritório que seria bem chato se alguém estivesse ouvindo. Ali, mais um dia, eu era só mais uma, só mais uma história tediosa, e que bom.
Anda tocando por aqui
Diferente de muitos fãs da banda, eu adoro os últimos discos do Artic Monkeys. The Car foi o último álbum lançado e amei tanto, mas tanto, que trouxe uma cópia em vinil pra mim da última viagem que fiz. Pega um drink, deixe uma meia luz, ouça e me agradeça depois.
Por Hoje é só
Eu adoro escrever cartinhas que esquentam o coração. Espero que você sinta o mesmo ao chegar aqui. Você pode me contar o que achou na caixa de comentários do Substack, respondendo o e-mail ou nas minhas redes. Você me encontra em todas como jesticacorrea .
Até semana que vem.
Tenho a mesma sensação quando vou sozinha em algum café, quando estou esperando na parada de ônibus ou até mesmo no consultório médico. Somos "só mais um" seguindo a vida, mas esse olhar sensível ao redor é de (e para) poucos. Parece nada, mas sempre rende boas histórias, não é mesmo? Adorei!