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Para morrer basta estar vivo.
Essa é uma frase que é mais velha do que andar pra frente. Parece óbvia, mas na verdade a gente nunca para pra realmente refletir sobre ela.
Para morrer basta estar vivo.
Eu falo em voz alta e tento encontrar toda essa vivacidade que ela carrega, essa pose de sabichona, de finalmente ter resumido em cinco palavras o óbvio. Mas a gente nunca pensa nisso, principalmente quando somos jovens.
Quando eu era criança, lembro de achar que eu estava muito perto do dia do meu nascimento (o que de fato estava), mas eu acho engraçado me imaginar tão pequenininha tentando traçar um raciocínio para que aquilo tudo fizesse sentido.
“Tá, eu nasci. Faz mais ou menos uns oito anos desse dia que marcou a minha existência. Será que vou ser velha? Será que eu vou parecer com quem? Meu pai ou minha mãe? Quantos anos ainda faltam?”
Eu sei que pode parecer mórbido uma criança pensar dessa forma, mas não posso esconder que minha vida sempre foi sombreada por uma nuvem muito carregada de coisas terríveis acontecendo. Eu faria os irmãos de Desventuras em Série ficar com pena de mim.
Aí, eu ali com meus dezenove anos descobri que estava com um câncer no intestino. Pequeno, detectado cedo, mas ainda assim um câncer. Eu tinha que tomar escolhas que mudariam o resto da minha vida. Naquele dia, eu lembrei da mini Jessica lá do começo dos anos dois mil. Talvez a pergunta de quantos anos faltavam poderia ser respondida em breve, mesmo que parecesse tão prematuro.
Fiz cirurgia, tratamentos longos, e depois de seis anos, eu ainda estou aqui.
Sexta-feira passada foi dia de visitar meu oncologista favorito (e único). Um homem magro e alto, que ano sim ano não está com a sua aliança no dedo esquerdo, que de alguma forma me lembra o Roger Waters quando jovem. Ele é o cara que cuida do meu caso desde o dia um da doença, que hoje, ainda bem, se encontra em remissão.
Quando vou ver o Doutor R, eu entro em contato com muitas versões minhas. Ele já me viu com quase nenhuma tatuagem, mil cabelos diferentes, acompanhada e sozinha. Ele me viu por dentro (literalmente), e ele me vê por fora quando faço as milhões de perguntas sobre os resultados dos exames que levo religiosamente de seis em seis meses. Ele já me viu com medo, rindo para não chorar, chorando porque era isso que eu precisava fazer.
E toda vez que vou vê-lo, faço um caminho mental de achar os documentos dos exames anteriores, marcações, agenda, muita burocracia. Normalmente faço o agendamento limpando as lágrimas que caem no meu teclado, mesmo sabendo que é só rotina. Lidar com a nossa finitude é uma experiencia muito estranha, antinatural até. Suprimimos a morte até onde conseguimos, fingimos que ela não existe, que não dá tempo de morrer essa semana.
Mas dessa vez, ao diferente aconteceu. Eu não senti a sombra da nuvem carregada com sabor de morte que sempre me paira em uma sexta-feira de consulta. Eu senti o sabor agridoce de estar viva. Sai da consulta com as boas notícias, que sim, o exercício físico andava me fazendo muito bem, que cuidar da minha cabeça andava fazendo diferença.
Senti de forma intensa que realmente basta estar vivo para morrer, mas pela primeira vez, eu não estava ali sentada esperando a morte chegar. Eu poderia começar a viver.
Dicas, diquinhas, diconas
Eu li essa semana para o clube de leitura asiática da minha amiga Gabi Babosa, o quadrinho “Fragmentos do Horror” de Junji Ito, publicado pela Darkside no Brasil e achei incrível. São vários contos curtinhos que mostram como dá pra piorar muitos as coisas. A minha historia favorita foi a do sussurro, então se lerem, depois me contem qual foi a favorita de vocês.
Ah, e se quiserem participar do clube de leitura, é só ir lá no perfil da Gabi e se inscrever.
Por hoje é só
Ufa, essa cartinha foi difícil de escrever, mas como eu sei que tem pessoas incríveis por aqui, me senti segura para dividir.
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Um beijo, e até semana que vem!





que linda essa cartinha, amiga <3 conte comigo para o que precisar, você sabe disso. estarei por aqui!
que texto lindo 💕 me emocionei aqui